Artigo de Jorge Silva Melo no Mil Folhas - Público sobre a entrevista de Gustavo Rubim a Joana Gorjão Henriques [I]

2006-06-19
[Parte I do artigo Ibsen em Portugal]


Jorge Silva Melo, «Ibsen em Portugal», in Mil Folhas (Público), 2006-VI-17

Ibsen em Portugal

Com o título “Ausência de Ibsen em Portugal é um escândalo artístico e cultural” publicou o Mil Folhas de 10 de Junho longo texto de Joana Gorjão Henriques. No entanto, com muitas imprecisões.
Diz-se que “não havia no mercado qualquer peça em português”. Ora, há “Casa de Boneca” na Europa-América e, no outro dia, encontrei e não em alfarrabista, “Os Pilares da Comunidade” (tradução de Mário Delgado, Presença).
Diz-se “Ibsen nunca foi encenado nos Teatros Nacionais.” Ora, Amélia Rey-Colaço dirigiu “Hedda Gabler” quando o Nacional estava sediado no Trindade, em 1972. E diz-se que “não tem sido uma prioridade para a maioria das companhias.” Ora foram várias as companhias marcantes que fizeram os seus Ibsen. Lembremos que os Comediantes de Lisboa fizeram “A Casa de Boneca” com Lalande, o TEP “Hedda” com Dalila Rocha, o TEC “Os Espectros” com Carmen Dolores e Diogo Infante, o Teatro Hoje “O Construtor” com Isabel de Castro e Mário Jacques. Inúmeras as gravações da Emissora, quando o teatro radiofónico era dirigido por Alvaro Benamor – lembra-mo Carmen Dolores, que até o raríssimo “Quando Nós Os Mortos...” interpretou. Não tenho registo da estreia de “Espectros” na tradução de Emília de Araújo Pereira, editada na anarquista Guimarães, espetáculo que, em reposição, marcou a estreia do jovem Igrejas Caeiro; suponho ter sido apresentado, pelo menos uma vez, na Voz do Operário.
Mas Ibsen marcou sobretudo a escrita durante os primeiros quarenta anos do século. Três obras maiores (“O Gebo e a Sombra” de Brandão, “Meia-Noite” de D. João da Câmara e “Sabina Freire” de Teixeira-Gomes) ecoam maravilhosamente, em técnica, atmosfera e problemática as ondas lançadas da nova Noruega – via França. E não podemos ler Cortez, nem Gaspar Simões (nem Carlos de Oliveira, segundo tese de João Camilo), nem Paço d´Arcos, nem Vitoriano Braga, nem sequer Virgínia Vitorino e Olga Alves Guerra (Tempos Modernos, que se quis antítese de Casa de Boneca) sem vermos, como dizia Pirandello, em quadra a Goldoni, que “por cá abancou o Osvaldo norueguês/ na estalagem de Mirandolina”.
No pós-guerra, actuando em salas exíguas, os teatros experimentais foram buscar a Pirandello –bem visto pelo regime depois da sua participação no aniversário da Revolução Nacional - as raízes do seu “teatro essencialista”. E vemos, então, os actores do realismo (os nomes morais de António Vitorino ou Emília de Araújo Pereira e, até, no Nacional, Amélia, a discípula de Mestre Pinheiro) abandonar o teatro-de-sala-de-estar em que o ibsenismo desaguara, para representar, perante rotunda preta, sem adereços, os dilemas do Homem nesse tardio expressionismo que foi o teatro dos anos 50.

[continua...]
 
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