Entrevista de Gustavo Rubim a Joana Gorjão Henriques, Mil Folhas - Público, 10-VI-2006 [I]

2006-06-12
[O Pancada de Molière vai dividir por 6 posts o artigo Ausência de Ibsen em Portugal «é um escândalo artístico e cultural», publicado no suplemento Mil Folhas do jornal Público]

[Parte I do artigo Ausência de Ibsen em Portugal «é um escândalo artístico e cultural»]


Joana Gorjão Henriques, «Ausência de Ibsen em Portugal 'é um escândalo artístico e cultural'», in Mil Folhas (Público), 2006-VI-10

Gustavo Rubim, tradutor do inglês de Ibsen, critica o teatro Português por ter esquecido o fundador do teatro moderno. Autor de um texto que sai no primeiro volume das peças editadas pela Cotovia, Rubim fala da obra do dramaturgo dos “regressos”, da sua recriação da personagem feminina e de como antecipou o cinema.

Ausência de Ibsen em Portugal «é um escândalo artístico e cultural»


Joana Gorjão Henriques

Pela primeira vez uma editora, a Livros Cotovia, lança em Portugal a tradução do original das peças de Henrik Ibsen (1828-1906), considerado o fundador do teatro moderno. Segundo a embaixada da Noruega, não havia sequer disponível no mercado qualquer peça em português do mais encenado dramaturgo em todo o mundo depois de Shakespeare, diz-se.
Gustavo Rubim, traductor a partir do inglês de “Hedda Gabler” para a Companhia Teatral do Chiado (que encenou ainda “Casa de Boneca”) e professor de Literatura Portuguesa na Universidade Nova de Lisboa é um apaixonado pela obra de Ibsen. Autor de um texto, “Ibsen e os Regressos”, que sai na edição do primeiro volume, Gustavo Rubim critica duramente a “ausência” do dramaturgo nos palcos portugueses, considerando-o um “escândalo artístico e cultural”.
Ibsen (a 23 de Maio fez 100 anos que o dramaturgo morreu – ver edição do PÚBLICO desse dia) nunca foi encenado nos Teatros Nacionais e não têm sido uma prioridade para a maioria das companhias. Rubim explica-o com o culto Bretolt Brechet, autor de um teatro ideológico e conotado com o marxismo. “É estranho, porque a seguir ao 25 de Abril houve a preocupação de recuperar alguns autores que não era possível fazer por causa da censura e Brecht foi um deles”, dia ao Mil Folhas. “Brecht passou a representar essa associação do teatro a uma certa ideia de revolução. A revolução não aconteceu mas Brecht influenciou o ambiente e o espírito do teatro português. É um teatro didáctico, quer transmitir ideias, tem que ter uma função social qualquer pré-definida que não é artística. E Brecht significou isto. O papel feminino mais famoso em 32 anos de teatro é o de Eunice Muñoz a fazer de “Mãe Coragem”. Não há ninguém que tenha ficado famoso a fazer papéis de Ibsen, de Strindberg, de Tenesse Williams... Isto não é normal, mostra a situação excepcional do teatro português.”
Gustavo Rubim responsabiliza as companhias que nasceram antes e logo a seguir ao 25 de Abril mas diz que isto se deve sobretudo à falta de tradição teatral em Portugal: “Temos Gil Vicente, O Judeu e Garrett... A nossa última grande peça é ‘Frei Luís de Sousa’. Não há nenhuma dramaturgia europeia em que a última grande peça tenha 200 anos...”
Com esta ausência, o teatro português perdeu a possibilidade de se renovar, considera. “Para quem tem como referência principal Brecht tudo o que é teatro nos Estados Unidos, na Europa passa-nos ao lado. Porque o Brecht não tem futuro para já. Não é um teatro que esteja a ser continuado.”

[continua...]
 
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