Entrevista de Gustavo Rubim a Joana Gorjão Henriques, Mil Folhas - Público, 10-VI-2006 [III]

2006-06-13
[Parte III do artigo Ausência de Ibsen em Portugal «é um escândalo artístico e cultural»]


Joana Gorjão Henriques, «Ausência de Ibsen em Portugal 'é um escândalo artístico e cultural'», in Mil Folhas (Público), 2006-VI-10

Vida ou arte?

Vistas por muitos como espécie de testamento de Ibsen, as quatro últimas peças agora editadas têm como protagonistas homens no final da vida, em conflito com as opções que tomaram. São quatro artistas ou, pelo menos, quatro “construtores” que ambicionam a perfeição: Rubek, o escultor de “Quando Nós, os Mortos, Despertamos” o único a criar uma obra-prima, como os outros desejam, “O Dia da Resurreição”, mas que lhe custará a felicidade; John Gabriel Borkman, ex- banqueiro preso por fraude que tinha o seu projecto para a sociedade; Allmers, escritor de “O Pequeno Eyolf” que abandona a escrita do livro “Responsabilidade Humana” para cuidar do filho deficiente que renegou (mas Eyolf morre), e Solness, o arquitecto que é levado pela rapariguinha Hilde (a juventude que ele tanto temia e que lhe bateu à porta) a uma ascensão (subir ao topo do edifício que construiu) e queda (a sua morte).
Em todos eles abate-se a dicotomia vida e arte e todos eles são confrontados com aquilo que Irene diz a Rubek – “primeiro a obra de arte, depois a carne e o sangue” – e como o que Rubek respondeu a Irene sobre o “remorso de uma vida desperdiçada”: “Como eu fui cego naquela altura, ao preferir a imagem de argila fria à alegria da vida e do amor. “Há, da parte das personagens, vontade de redenção, como expressa Allmers ao decidir cuidar do filho: “Daqui em diante farei da responsabilidade humana o princípio da minha vida”. Mas os mortos não o largam.
Nestas peças, o leitor encontrará mais elementos de reflexão, porque como disso o biógrafo Michael Meyer, a contribuição técnica de Ibsen foi fundamental – como em relação à “arte do diálogo” que desenvolve “a um nível de refinamento que nunca foi ultrapassado” – mas a sua “grandiosidade como dramaturgo” deve-se “à profundidade e à subtileza da sua compreensão do carácter humano (especialmente do carácter feminino, que é, raro) e das relações humanas”.
Gustavo Rubim concorda com Meyer. Diz que é admirável ser possível, ainda hoje, fazer uma actualização das peças “sem ter a sensação que foram escritas há cento e tal anos”. “Dizermos que isso é uma percepção da alma humana é sempre um bocadinho pretensioso porque na verdade é-o, mas de uma certa parte da humanidade, a nossa, que é europeia. Mas em relação a nós, sim: aquilo é muito próximo. Do ponto de vista de criação de personagens femininas é excepcional, acima de qualquer outro. Que eu saiba, não há nenhuma personagem feminina comparável à Hedda Gabler ou a Irene de ‘Quando Nós, os Mortos, Despertarmos’”.

[continua...]
 
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