Entrevista de Gustavo Rubim a Joana Gorjão Henriques, Mil Folhas - Público, 10-VI-2006 [IV]
2006-06-15
[Parte IV do artigo Ausência de Ibsen em Portugal «é um escândalo artístico e cultural»]
Joana Gorjão Henriques, «Ausência de Ibsen em Portugal 'é um escândalo artístico e cultural'», in Mil Folhas (Público), 2006-VI-10
A reinvenção da personagem feminina
Não falamos delas até aqui, mas os retratos femininos de Ibsen são, para muitos, inigualáveis. Para Rubim, Ibsen reinventa a personagem feminina, e isto quer dizer que criou mulheres que nós “não temos a certeza de serem diferentes dos homens”. “De certa maneira, a ideia tradicional de oposição entre personagens femininas e masculinas desaparece em Ibsen, torna-se mais fluida. É significativo que, em relação às personagens femininas mais conhecidas, a reacção na época tenha sido: ‘Não são mulheres’. A Hedda Gabler foi vista como uma espécie de reencarnação do pai, o general. Tem pouco a ver com as outras mulheres da peça, está mais próxima dos homens. Esta simples possibilidade de criar mulheres que surgem aos olhos do espectador como não mulheres é, se calhar, a base da reinvenção.”
E como é que podemos olhar para Nora, de “Casa de Bonecas”, a peça que internacionalizou Ibsen, uma mulher que antes de sair de casa para abandonar a família é protegida pelo marido numa típica elação tradicional? “Há peças de Ibsen, como ‘Casa de Boneca’, que dependem mais da relação personagem com uma certa imagem da mulher”, comenta. “A Nora pode ser interpretada dessa forma, com a particularidade que o ponto principal dessa interpretação é o casamento. A originalidade da Nora está na relação que estabelece com o papel que se espera eu ela represente enquanto esposa de Torval.”
Ao sair de casa, Nora “abre caminhos para coisas que as personagens femininas não tinham feito”. “O facto de Nora não ser de uma família real mas daquela época, burguesa, é decisiva: é o ponto em que o teatro abre consequências para lá do teatro.”
Se falarmos de diferença de profundidade entre personagens femininas e masculinas, então as primeiras ganham vantagem porque são “mais enigmáticas, mais densas do que as masculinas” - e isso também não é tradicional. É o que acontece em peças como “Rosmersholm” (1889), “A Dama do Mar”(1888), “Hedda Gabler” (1890), “Espectros” (1881) e para a peças finais, diz. “Nas últimas peças tenho muito a sensação de que é como se a certa altura os homens fossem joguetes, estivessem inteiramente dependentes da presença e da acção Que altera a vida deles porque anos atrás qualquer um dos homens destas quatro peças renunciou ao amor – conscientemente, como Rubek, de “Quando Nós, os Mortos, Despertamos” ou John Gabriel Borkman (o primeiro, deixou para trás Irene e o segundo Ella, a irmã gémea da mulher), ou inconscientemente como Allmers, de “O Pequeno Eyolf” (que poderia ter tido uma relação incestuosa com a irmã, Asta), e Solness, de “O Construtor Solness” (que anos antes seduziu a rapariga Hilde).
Não falamos delas até aqui, mas os retratos femininos de Ibsen são, para muitos, inigualáveis. Para Rubim, Ibsen reinventa a personagem feminina, e isto quer dizer que criou mulheres que nós “não temos a certeza de serem diferentes dos homens”. “De certa maneira, a ideia tradicional de oposição entre personagens femininas e masculinas desaparece em Ibsen, torna-se mais fluida. É significativo que, em relação às personagens femininas mais conhecidas, a reacção na época tenha sido: ‘Não são mulheres’. A Hedda Gabler foi vista como uma espécie de reencarnação do pai, o general. Tem pouco a ver com as outras mulheres da peça, está mais próxima dos homens. Esta simples possibilidade de criar mulheres que surgem aos olhos do espectador como não mulheres é, se calhar, a base da reinvenção.”
E como é que podemos olhar para Nora, de “Casa de Bonecas”, a peça que internacionalizou Ibsen, uma mulher que antes de sair de casa para abandonar a família é protegida pelo marido numa típica elação tradicional? “Há peças de Ibsen, como ‘Casa de Boneca’, que dependem mais da relação personagem com uma certa imagem da mulher”, comenta. “A Nora pode ser interpretada dessa forma, com a particularidade que o ponto principal dessa interpretação é o casamento. A originalidade da Nora está na relação que estabelece com o papel que se espera eu ela represente enquanto esposa de Torval.”
Ao sair de casa, Nora “abre caminhos para coisas que as personagens femininas não tinham feito”. “O facto de Nora não ser de uma família real mas daquela época, burguesa, é decisiva: é o ponto em que o teatro abre consequências para lá do teatro.”
Se falarmos de diferença de profundidade entre personagens femininas e masculinas, então as primeiras ganham vantagem porque são “mais enigmáticas, mais densas do que as masculinas” - e isso também não é tradicional. É o que acontece em peças como “Rosmersholm” (1889), “A Dama do Mar”(1888), “Hedda Gabler” (1890), “Espectros” (1881) e para a peças finais, diz. “Nas últimas peças tenho muito a sensação de que é como se a certa altura os homens fossem joguetes, estivessem inteiramente dependentes da presença e da acção Que altera a vida deles porque anos atrás qualquer um dos homens destas quatro peças renunciou ao amor – conscientemente, como Rubek, de “Quando Nós, os Mortos, Despertamos” ou John Gabriel Borkman (o primeiro, deixou para trás Irene e o segundo Ella, a irmã gémea da mulher), ou inconscientemente como Allmers, de “O Pequeno Eyolf” (que poderia ter tido uma relação incestuosa com a irmã, Asta), e Solness, de “O Construtor Solness” (que anos antes seduziu a rapariga Hilde).
[continua...]