Vida de Henrik Ibsen editado pela Cotovia

2006-06-16


Savinio, Alberto, Vida de Henrik Ibsen, tradução Luísa Feijó, Cotovia


Que sabemos nós do fundador da dramaturgia moderna? Quantos de nós assistiram já à representação de uma única peça que seja, escrita pelo dramaturgo mais representado de sempre (mais ainda que Shakespeare)?


Henrik Ibsen morreu em 1906. Nascido na Noruega, escrevia numa língua compreendida apenas por cerca de 4,5 milhões de pessoas. Contudo, ainda em sua vida, a obra dramática que escreveu e pôde ver nos palcos um pouco por toda a Europa, suscitou inflamadas críticas e apupos a par de elogios superlativos, provenientes de gente atenta aos avanços do mundo, como James Joyce, Rainer Marie Rilke, E.M. Forster ou Bernard Shaw, para nomear alguns. É sabido que a filha de Karl Marx aprendeu norueguês para poder ler Ibsen no original -- e este é apenas um dos episódios surpreendentes que acompanham o percurso da obra até hoje, exemplos do seu magnetismo universal. Portugal, porém, parece auto-excluído do universo: a edição (como a representação) da obra de Henrik Ibsen foi, por cá, tão diminuta quanto episódica, e é hoje praticamente inexistente.


Assinalando o centenário da morte de um dos maiores escritores de todos os tempos, e tentando atenuar, na medida do possível, este verdadeiro escândalo artístico e cultural, os Livros Cotovia lançam, no início de Maio, o primeiro de 4 volumes de peças de teatro de Henrik Ibsen, traduzidas do norueguês original. Trata-se de um projecto ambicioso, que será divulgado a seu tempo. Por ora, na expectativa de aguçar o interesse pelo grande dramaturgo, os Livros Cotovia colocam no mercado «Vida de Henrik Ibsen», escrita por outro grande das letras universais, Alberto Savinio. Obra única, arranca explicando-nos por que razão a Noruega é a ‘última Grécia’ da Europa, e termina assim:


«Aos outros dei o tempo necessário, mas não mais: de tal hora até tal hora, como com uma entrevista marcada para resolver um assunto, que, uma vez resolvido, despedimo-nos porque não há mais para dizer. Mas, de ti, porque não quero separar-me? Esta tua vida, porque quero eu prolongá-la tanto quanto a minha própria?... Chegou o momento de o confessar, Henrik: nós somos semelhantes. (...)
Aqueles que lerem esta tua vida escrita por mim, dirão que da tua vida se diz pouco e se fazem muitas divagações. Porque não sabem. Não sabem que estas ‘divagações’ são, isso sim, as coisas que tu prometeste a ti mesmo dizer quando a morte te levou e que agora, finalmente, pudeste dizer por meu intermédio. Não me agradeças, Henrik: entre colegas devemos ajudar-nos. E agora adeus, Henrik: adeus, para já. Trato aqui de mais uns quantos assuntos e, depois, lá irei ter contigo. Onde quer que estejas. Mesmo no inexistente. Melhor, até, aí. Quando as pessoas se entendem, que importa inexistir?»

in Vida de Henrik Ibsen, Alberto Savinio (escritor e pintor italiano - Atenas, 1891; Roma, 1952)


Henrik Ibsen é um dos grandes do mundo perante quem a crítica pode apenas fazer fraca figura. Apreciar, escutar atentamente é a única verdadeira crítica. Mais: essa espécie de crítica que se auto-apelida ‘crítica de teatro’ é um acessório desnecessário às suas peças. Quando a arte de um dramaturgo é perfeita a crítica é supérflua.
James Joyce, 1900


E subitamente veio a hora em que a majestade de Ibsen se dignou olhar para mim pela primeira vez. Um novo poeta, de quem nos aproximaremos por muitas vias, agora que já conheço uma delas.
Rainer Maria Rilke, 1906


Com Ibsen, a história do teatro recomeça. Só isto faz dele o maior dramaturgo depois de Shakespeare e Racine.
George Steiner, 1961
 
posted by CTC at 16:21, |