Meus caros bloguistas de João Fiadeiro, director da RE.AL, coreógrafo e bailarino
2005-04-04
Meus caros bloguistas (será assim que se diz?), para que não hajam dúvidas, oh anónimos, daqui fala o João Fiadeiro, director da RE.AL, coreógrafo e bailarino.
Algo me escapa nesta vossa conversa. Deve ser porque venho das “danças” e nós por lá não temos nada disto. Sim, as pessoas não estão sempre de acordo e também existem as danças comerciais, as novas danças, as clássicas e até as clássicas-contemporâneas (???), mas não me lembro de nada de parecido no meu bairro (até me lembro de alguém, mas não vou por aí). Sim, falamos mal que nos fartamos nas costas uns dos outros, como toda a gente, mas pela frente mantemos o nível. Pelo menos até agora. Não sei se é bom, se é mau. É o que é. A verdade é que existe um respeito base entre todos e existem momentos de encontro suficientes (até temos uma associação) para irmos despejando o saco, evitando assim anos e anos de acumulação... Porquê a minha participação neste fórum? (e porque é que, estando num fórum, tenho a sensação de estar a falar sozinho) Porque, involuntariamente, estou metido ao barulho. A RE.AL, em Novembro do ano passado contactou a Companhia de Teatro do Chiado (via Jorge Salavisa do S. Luís) para a possibilidade de poder apresentar a estreia do novo espectáculo da coreógrafa e bailarina Cláudia Dias no Teatro Mário Viegas. A precariedade da dança contemporânea é tal que, caso um(a) coreógrafo(a) português queira apresentar o seu trabalho (e já não falo na dificuldade dos espaços de ensaio) não tem outra solução a não ser a de se associar a estruturas, normalmente ligadas ao teatro (que, por uma razão que me transcende, têm normalmente espaços cedidos pela câmara municipal) para se encaixar num buraco qualquer das suas programações. Fomos extremamente bem recebidos, as questões de pormenor foram resolvidas e as datas foram marcadas para 14, 15, 16 e 17 de Abril. O meu problema neste momento é que, embora tratando-se de uma colaboração meramente formal, depois de ler os textos deste blog, senti que só podia existir um extraordinário mal entendido nesta colaboração. Mas ao aceitarem o nosso pedido de espaço, ao nos acolherem na sua casa não sabiam ao que iam? Sexta-feira passada, dia 10 de Março, quando li estes textos pela primeira vez, comecei por estranhar a linguagem, fui até largando algumas pequenas gargalhadas aqui e ali, mas à medida que ia avançando, ia pasmando. E quando cheguei (finalmente) ao fim, sobretudo ao Teatro Praga, comecei a sentir um forte mal-estar e a achar que não poderia estar envolvido no mesmo barco e, de alguma forma, caucionar aquele tipo de discurso. Sobretudo porque o fazia involuntariamente. Não tendo sido visado directamente nas análises da CTC (embora o meu nome já ande por aí), sinto-me no epicentro do objecto de estudo. Não só porque o trabalho que fazemos está há anos ligado à investigação e experimentação artística, ao transversal ou ao confronto de ideias entre disciplinas, zonas de actividade completamente espezinhadas e desprezadas nestes textos, como, e principalmente, entre os visados estão algumas das pessoas que mais respeito, com quem desenvolvo projectos há anos e com quem tenho uma relação de cumplicidade forte. E por isso, pensei eu, só pode haver um equívoco.
Reuni as minhas tropas, pedi-lhes que lessem os conteúdos do “Oh” e expus o problema de princípios com que me debatia. As opiniões oscilaram entre a repulsa e a desdramatização. Deixámos o fim-de-semana acalmar os ânimos e reposicionar as ideias e na segunda-feira voltámos a falar. As opiniões ainda não eram coincidentes, mas ficou claro que não podíamos ignorar que tínhamos conhecimento da posição da CTC perante o tipo de trabalho que fazemos e as pessoas que gostamos e que, mesmo equacionando os prejuízos pessoais e financeiros de uma anulação de uma estreia, tínhamos que nos preparar para essa eventualidade. E foi com esta ideia no espírito que marcámos um encontro com a CTC “com carácter de urgência” para segunda-feira à tarde e lhes expusemos a nossa posição. Acima de tudo queríamos perceber o que estava por detrás do discurso publicado neste blog, o que é que os motivava e sobretudo se estavam conscientes do que é que estavam a apresentar ao acolherem a RE.AL.
E não é que ficaram todos contentes por finalmente haver quem quisesse debater com eles, frente a frente, as questões que levantavam, que afinal não são os artistas e intervenientes dos projectos os visados mas o IA, na figura (que lhes é obsessional) da Ana Marim, que nem sequer conhecem a maior parte das pessoas de que falam ou nem foram ver os espectáculos que servem de base para as suas deambulações analíticas. Dizem-me que se limitaram a reagir às actas, que lhes foram, como a todos nós, enviadas pelo IA e que são, nos seus pontos de vista, perfeitos atestados de incompetência? Confesso que fiquei meio desarmado. Ainda falámos durante hora, hora e meia, o suficiente para se perceber que pertencemos a mundos (ou mesmo planetas) diferentes, mas insuficiente para ficarmos convencidos com as teorias de conspiração defendidas ou com o método utilizado. O que nos parece evidente é que se trata de uma questão de bairro. E de um bairro que não é o nosso. E também é evidente que se não estivesse metido nesta novela, não seria este o fórum que escolheria para reflectir sobre os problemas que são colocados e muito menos desta maneira. Parece-me uma atitude um pouco desesperada de quem avança para um último recurso e com uma única ideia forte: tentar partir a loiça toda para ver o que é que dá. E a verdade é que até aqui, a avaliar pela qualidade das intervenções, não me parece que esteja a dar grande coisa. Seja como for, da nossa parte, mantemos o acordado. Até porque, na prática e no dia a dia, não temos razões de queixa na nossa relação “institucional”. Antes pelo contrário. E não penso que seja justo prejudicar o trabalho de uma artista, obrigando-a a carregar com décadas de ressentimentos e fantasmas alheios. Nem os meus e muito menos os dos outros. E “prontos”. Aqui fica o nosso contributo para esta vossa pequena novela. Façam bom proveito.
João Fiadeiro