Oh Que Ricos Subsídios! (IX)
2005-02-17
A CTC ri a bandeiras despregadas com as actas do IA do MC
Candidatura 033 (uma «Praga» no Miguel Bombarda)
Já foram ao Miguel Bombarda? Sim, é um hospital para malucos, mas fazem lá teatro. Não acreditam? Ora oiçam!
O IA não conta a história toda. Diz só o indispensável: que o Teatro Praga «granjeou já um lugar específico no panorama teatral português mercê» de duas coisas: por um lado, «o dinamismo e criatividade dos elementos» desta companhia famosa; mas, por outro, «do lugar que “conquistou” (...) no Hospital Miguel Bombarda, um Armazém de dimensões consideráveis, que proporciona interessantes ocupações teatrais». Ou seja, esta gente conseguiu «um lugar específico» depois de ter conquistado uma parte do manicómio, onde ficam entretidos em terapia ocupacional a fazer teatro. Se não tivessem conquistado o armazém, estes pobres diabos não granjeavam lugar nenhum só à custa do «dinamismo e criatividade». Em suma, o IA é claríssimo: foi o Miguel Bombarda que os projectou para o estrelato.
Mas quem é o Teatro Praga? Explica o IA que «o seu rosto mais visível tem sido o de Pedro Penim que, de resto, aqui se coloca no papel de seu director artístico». Notem: no papel de director artístico, não quer dizer que ele seja mesmo director artístico. Faz esse papel, porque o Teatro Praga é tão teatral que põe uma pessoa a fingir de director artístico, senão ainda confundiam aquilo com um bando de doidos que andam para ali no armazém a fazer barulho à hora das consultas.
Bem, o IA deu ao Penim 70.000€ ― são 14 mil contos, lembram-se? ― para gerir o armazém. O Penim já prometeu aproveitar o dinheiro para tirar dali as caixas de Xanax e Valium, que só atrapalham as «interessantes ocupações teatrais», impedindo o Miguel Bombarda de competir com o D. Maria II em condições de igualdade. O que é que o Penim vai fazer com o resto do cacau?
Autênticos prodígios. Nada mais nada menos do que «um espectáculo inspirado em 3 peças de Agatha Christie», muito apropriadamente intitulado «O vazio ― total». Toda a gente sabe que o vazio total é o tema central da obra de Agatha Christie, que nesse aspecto é uma dramaturga beckettiana. Além disso, as 3 peças condensadas resultam numa intrigante aventura policial, em que Poirot e Miss Marple se juntam para investigar um crime no Ministério da Cultura e, no fim, só encontram o cérebro da Ana Marin, ou seja: o vazio ― total.
Mas o Teatro Praga não vai apostar só no thriller político, também tentará uma incursão arriscada no domínio do musical, com um show feito «a partir de reflexões de Eduardo Lourenço sobre a Europa» e muitíssimo bem chamado «Eurovision». Tem cenas notáveis com a Simone a cantar a Desfolhada, a Madalena Iglésias a recitar textos de Eduardo Lourenço ao som do Sei Quem Ele É, e um momento de êxtase com António Calvário a solo a cantar a Oração com arranjos de Shegundo Galarza e Pierre Boulez. As Doce foram convidadas para abrilhantar o intervalo com uma versão re-mix do Bem Bom! em francês.
Isto parece um bocadinho caótico, é verdade, mas está tudo explicado numa entrevista que o Penim deu à revista «Sinais de Cena» (nº 1, Junho de 2004). Vejam, não se percebe bem porque é que uma companhia se há-de chamar «Teatro Praga», mas o Penim dá uma razão luminosa: «Quando estávamos a legalizar a associação, era a fase em que líamos muito Artaud, O teatro e a peste... Ficou Praga.» Portanto, não é a capital da República Checa, é uma praga como as pragas de peste na Idade Média ou as pragas de gafanhotos no Norte de África! Fantástico! Imaginem se eles andassem a ler muito Kafka: a coisa ainda se chamava Teatro Barata, ou Teatro Burocrata, ou Teatro Franz(e) o Sobrolho! E se andassem a ler muito Sade: a associação ainda se chamava Teatro Chicote, ou Teatro Vira-te Que Vou Por Trás, ou Teatro Bate-me! Nestas coisas é que se vê, como diz o IA, «o gosto do risco, da experimentação», mas, claro, «transbordante de espírito irónico», porque nem o Penim acredita que isto seja mesmo a sério!
O Teatro Praga está mesmo bem para o Miguel Bombarda: então não é que faz «um trabalho teatral que recusa a criação de personagens “coerentes”»? O próprio IA põe a palavra «coerentes» entre aspas, porque para os lados do IA já não se vê uma personagem coerente há décadas! Aliás, no Praga nem há personagens e por isso é que os espectadores fazem uma «votação para que um determinado actor naquele dia faça um ou outro papel» (o português é péssimo, mas a gramática é do IA). O público do Praga, diz-se, costuma escolher o Penim para papeis femininos e o Penim adora, «transbordante de espírito irónico e gosto anárquico na figuração dos actores». Sempre que o Praga se dedica a estas anarquias, há um batalhão de psiquiatras que vai logo ver, porque o Praga já entrou nos anais da psiquiatria como um caso de esquizofrenia delirante nunca antes visto!
A Ana Marin (ámen) já embarcou nesta loucura e embora tenha um restinho de lucidez para perceber «que nem sempre os resultados cénicos apresentam o mesmo valor ou pertinência» (nem sempre é um excelente eufemismo), aproveita logo para soltar a franga e dizer que «não deixa de ser reconhecível uma marca pessoal, algures entre a prática da desconstrução (na relação com os textos) e a nostalgia levemente romântica (no tratamento de atmosferas)», num acesso de diarreia verbal ininteligível que, bem estudado, dá um Prémio Nobel da Medicina de caras! (Claro, há a hipótese de ter sido a Maria Helena Serôdio a escrever isto, mas não deve ser, porque senão a Faculdade de Letras já a tinha mandado a uma Junta Médica.)
O IA fascinou-se com o Praga, mas quem não se fascinava? Na tal entrevista, a páginas tantas, diz o Penim: «E, depois, mais tarde, apresentaram-nos o Artaud, que nos deu completamente a volta à cabeça.» Bolas, o homem conheceu o Artaud em pessoa e ficou com a cabeça virada do avesso, pudera! Tanto quanto se sabe, o Penim foi o único português que privou com o Artaud, nem o Cesariny foi tão longe, coitado. Para nosso mal, o Artaud não levou o Penim para o México e, infelizmente, limitou-se a falar dos encantos da psiquiatria: foi mesmo o Artaud quem recomendou ao Penim que fosse para o Miguel Bombarda! O Penim julgava que era para fazer teatro com subsídios do Estado, ideia que, só por si, já era motivo para internamento.
Mas nem tudo é mau. O Penim, na entrevista, diz para quem quer ouvir que «aquilo que nós fazemos pode ser encarado como um logro, realmente.» Realmente. E, com uma coerência que nem parece dele, acrescenta: «Nessas ocasiões tenho sempre vontade de devolver o dinheiro a essas pessoas. É por isso que (...) damos a escolher às pessoas: ou pagam ou não pagam.» Como as pessoas, em regra, não pagam, a Ana Marin (ámen) deu-lhes 70.000€ para cobrir o prejuízo e incentivar o logro. Está bem visto!
Candidatura 033 (uma «Praga» no Miguel Bombarda)
Já foram ao Miguel Bombarda? Sim, é um hospital para malucos, mas fazem lá teatro. Não acreditam? Ora oiçam!
O IA não conta a história toda. Diz só o indispensável: que o Teatro Praga «granjeou já um lugar específico no panorama teatral português mercê» de duas coisas: por um lado, «o dinamismo e criatividade dos elementos» desta companhia famosa; mas, por outro, «do lugar que “conquistou” (...) no Hospital Miguel Bombarda, um Armazém de dimensões consideráveis, que proporciona interessantes ocupações teatrais». Ou seja, esta gente conseguiu «um lugar específico» depois de ter conquistado uma parte do manicómio, onde ficam entretidos em terapia ocupacional a fazer teatro. Se não tivessem conquistado o armazém, estes pobres diabos não granjeavam lugar nenhum só à custa do «dinamismo e criatividade». Em suma, o IA é claríssimo: foi o Miguel Bombarda que os projectou para o estrelato.
Mas quem é o Teatro Praga? Explica o IA que «o seu rosto mais visível tem sido o de Pedro Penim que, de resto, aqui se coloca no papel de seu director artístico». Notem: no papel de director artístico, não quer dizer que ele seja mesmo director artístico. Faz esse papel, porque o Teatro Praga é tão teatral que põe uma pessoa a fingir de director artístico, senão ainda confundiam aquilo com um bando de doidos que andam para ali no armazém a fazer barulho à hora das consultas.
Bem, o IA deu ao Penim 70.000€ ― são 14 mil contos, lembram-se? ― para gerir o armazém. O Penim já prometeu aproveitar o dinheiro para tirar dali as caixas de Xanax e Valium, que só atrapalham as «interessantes ocupações teatrais», impedindo o Miguel Bombarda de competir com o D. Maria II em condições de igualdade. O que é que o Penim vai fazer com o resto do cacau?
Autênticos prodígios. Nada mais nada menos do que «um espectáculo inspirado em 3 peças de Agatha Christie», muito apropriadamente intitulado «O vazio ― total». Toda a gente sabe que o vazio total é o tema central da obra de Agatha Christie, que nesse aspecto é uma dramaturga beckettiana. Além disso, as 3 peças condensadas resultam numa intrigante aventura policial, em que Poirot e Miss Marple se juntam para investigar um crime no Ministério da Cultura e, no fim, só encontram o cérebro da Ana Marin, ou seja: o vazio ― total.
Mas o Teatro Praga não vai apostar só no thriller político, também tentará uma incursão arriscada no domínio do musical, com um show feito «a partir de reflexões de Eduardo Lourenço sobre a Europa» e muitíssimo bem chamado «Eurovision». Tem cenas notáveis com a Simone a cantar a Desfolhada, a Madalena Iglésias a recitar textos de Eduardo Lourenço ao som do Sei Quem Ele É, e um momento de êxtase com António Calvário a solo a cantar a Oração com arranjos de Shegundo Galarza e Pierre Boulez. As Doce foram convidadas para abrilhantar o intervalo com uma versão re-mix do Bem Bom! em francês.
Isto parece um bocadinho caótico, é verdade, mas está tudo explicado numa entrevista que o Penim deu à revista «Sinais de Cena» (nº 1, Junho de 2004). Vejam, não se percebe bem porque é que uma companhia se há-de chamar «Teatro Praga», mas o Penim dá uma razão luminosa: «Quando estávamos a legalizar a associação, era a fase em que líamos muito Artaud, O teatro e a peste... Ficou Praga.» Portanto, não é a capital da República Checa, é uma praga como as pragas de peste na Idade Média ou as pragas de gafanhotos no Norte de África! Fantástico! Imaginem se eles andassem a ler muito Kafka: a coisa ainda se chamava Teatro Barata, ou Teatro Burocrata, ou Teatro Franz(e) o Sobrolho! E se andassem a ler muito Sade: a associação ainda se chamava Teatro Chicote, ou Teatro Vira-te Que Vou Por Trás, ou Teatro Bate-me! Nestas coisas é que se vê, como diz o IA, «o gosto do risco, da experimentação», mas, claro, «transbordante de espírito irónico», porque nem o Penim acredita que isto seja mesmo a sério!
O Teatro Praga está mesmo bem para o Miguel Bombarda: então não é que faz «um trabalho teatral que recusa a criação de personagens “coerentes”»? O próprio IA põe a palavra «coerentes» entre aspas, porque para os lados do IA já não se vê uma personagem coerente há décadas! Aliás, no Praga nem há personagens e por isso é que os espectadores fazem uma «votação para que um determinado actor naquele dia faça um ou outro papel» (o português é péssimo, mas a gramática é do IA). O público do Praga, diz-se, costuma escolher o Penim para papeis femininos e o Penim adora, «transbordante de espírito irónico e gosto anárquico na figuração dos actores». Sempre que o Praga se dedica a estas anarquias, há um batalhão de psiquiatras que vai logo ver, porque o Praga já entrou nos anais da psiquiatria como um caso de esquizofrenia delirante nunca antes visto!
A Ana Marin (ámen) já embarcou nesta loucura e embora tenha um restinho de lucidez para perceber «que nem sempre os resultados cénicos apresentam o mesmo valor ou pertinência» (nem sempre é um excelente eufemismo), aproveita logo para soltar a franga e dizer que «não deixa de ser reconhecível uma marca pessoal, algures entre a prática da desconstrução (na relação com os textos) e a nostalgia levemente romântica (no tratamento de atmosferas)», num acesso de diarreia verbal ininteligível que, bem estudado, dá um Prémio Nobel da Medicina de caras! (Claro, há a hipótese de ter sido a Maria Helena Serôdio a escrever isto, mas não deve ser, porque senão a Faculdade de Letras já a tinha mandado a uma Junta Médica.)
O IA fascinou-se com o Praga, mas quem não se fascinava? Na tal entrevista, a páginas tantas, diz o Penim: «E, depois, mais tarde, apresentaram-nos o Artaud, que nos deu completamente a volta à cabeça.» Bolas, o homem conheceu o Artaud em pessoa e ficou com a cabeça virada do avesso, pudera! Tanto quanto se sabe, o Penim foi o único português que privou com o Artaud, nem o Cesariny foi tão longe, coitado. Para nosso mal, o Artaud não levou o Penim para o México e, infelizmente, limitou-se a falar dos encantos da psiquiatria: foi mesmo o Artaud quem recomendou ao Penim que fosse para o Miguel Bombarda! O Penim julgava que era para fazer teatro com subsídios do Estado, ideia que, só por si, já era motivo para internamento.
Mas nem tudo é mau. O Penim, na entrevista, diz para quem quer ouvir que «aquilo que nós fazemos pode ser encarado como um logro, realmente.» Realmente. E, com uma coerência que nem parece dele, acrescenta: «Nessas ocasiões tenho sempre vontade de devolver o dinheiro a essas pessoas. É por isso que (...) damos a escolher às pessoas: ou pagam ou não pagam.» Como as pessoas, em regra, não pagam, a Ana Marin (ámen) deu-lhes 70.000€ para cobrir o prejuízo e incentivar o logro. Está bem visto!
Temos cá a acta e a revista para quem não acreditar no que a gente escreveu! A consulta é de borla. Beijinhos e abraços, sejam levemente românticos e tratem das atmosferas!