Oh Que Ricos Subsídios! (IV)

2005-01-21
A CTC arreia até doer nas actas do IA do MC!

Candidatura 039 (Sony©, sistema «Sensurround©»)

Olá! Lembram-se de que actas é que estamos a falar? São as actas dos subsídios ao TEATRO. Do Instituto das Artes (IA). O IA sabe o que é TEATRO, não sabe? Esta acta deixa sérias dúvidas, a menos que o IA seja uma extensão do movimento surrealista e a Ana Marin (ámen) seja o André Breton reencarnado. Ora oiçam.
O IA deu 100.000€ (20 mil contos, moeda velha) à Lúcia Sigalho, que dirige uma coisa chamada Sensurround. A Lúcia explicou ao IA que o «seu trabalho» é «eminentemente experimental», servindo eminentemente para «reinventar possibilidades, em virtude de uma capacidade imaginativa, sobre um fundo de irrequietude e ironia». Nós ficámos, de facto, um bocado irrequietos a ler isto, porque, eminentemente, não percebemos nada. Possibilidades de quê? Imaginativa como? Sobre um fundo? Não será antes que foi ao fundo? Era mais lógico, não? Afinal a Lúcia trabalha na Casa dos Dias da Água e há dias em que a água é tanta, que vai tudo ao fundo, mas, claro, com «irrequietude e ironia»!
100.000€ para quê? Em primeiro lugar, para organizar documentos. A Sensurround organiza documentos. Neste caso, documentos da Paula Rego, que é uma artista sem documentação (já meteu os papeis mas nunca mais lhe disseram nada…).
O IA explica: «uma convergência entre as telas da pintora e um levantamento de depoimentos (recolhidos como em cadeia multiplicativa: dez participantes falam com mais dez e assim sucessivamente)». Claríssimo! Parece um daqueles cadáveres esquisitos em que o Cesariny era especialista! Dez gajos dizem uma coisa e os outros dez dizem outra e não tem nada a ver uma coisa com a outra. Põe-se tudo ao lado das telas da pintora e também não tem nada a ver!
Isto ainda não é nada. A grande novidade da Lúcia para este ano é a poesia. Poesia nos Dias da Água, poesia à chuva, um dilúvio de poesia? Não. A acta é luminosa. Leiam (e não reparem na gramática, por favor): «Outra ideia curiosa presente na programação integra o projecto Poemas no Metro, implicando viagens de actores aos pares, vestidos de túnica e descalços, recitando poemas em «roteiros» que incluem aspectos do real objectivo (paragens, apitos, etc.).» Oh sim, que ideia curiosa! As paragens, os apitos, o real objectivo! E os actores «aos pares», com bilhete de ida e volta! Percebe-se que uma parte substancial dos 100.000€ vai para as belas túnicas à romana e, sobretudo, para custear a renúncia aos sapatos. O balúrdio que não vai ser para curar o pé-de-atleta e as bolhas e os dedos entalados!
Aliás, o pormenor pedestre revela finalmente a real identidade da Lúcia Sigalho. Debaixo deste nome estapafúrdio ― Sensurround ― esconde-se, afinal, a Ordem das Carmelitas Descalças e, daqui para a frente, a Pancada de Molière tratará sempre a directora pelo seu nome espiritual: Irmã Lúcia. A Irmã Lúcia vai, pois, levar a poesia aos alienados que perdem a alma na interminável rotina quotidiana (trabalho → casa, casa → trabalho) da grande metrópole lisboeta. Abençoada!
E teatro? Também há teatro. A Irmã Lúcia prometeu partilhar a Casa dos Dias da Água, que tem sempre as portas abertas para artistas sem abrigo. É o caso do Miguel Guilherme e do Fernando Luís, coitados, que pediram à Irmã Lúcia se podiam fazer lá uma peça búlgara. A Irmã Lúcia, cheia de caridade cristã, disse que sim, que até lhe fazia jeito para concorrer aos subsídios do teatro, porque não há, eminentemente, subsídios para carmelitas descalças (nem para tratar de documentação).
A Sensurround, portanto, «acolhe» (é o que diz a acta, tal e qual) um espectáculo de fora que é a única coisa vagamente teatral que se vai fazer na Sensurround e que, por acaso, nem é a Sensurround a fazer. Resultado: 100.000€. Assim, o Miguel Guilherme e o Fernando Luís não têm de pagar nada à Irmã Lúcia. Quando muito, irão descalços para o Metro recitar poemas «sobre um fundo de irrequietude e ironia».
Entretanto, o IA tranquiliza o público: «Do lado de fora da casa, continuará o projecto Obras na Fachada.» Os grandes êxitos não se tiram de cena e este é já um êxito internacional: em breve irá em «deslocação a Luanda a convite da Trienal de Luanda» e não deve haver cidade que mais precise de obras na fachada. O projecto fica por aqui, mas quem vai fazer obras na fachada de Luanda bem precisa de 100.000€! Se calhar até é pouco. Fica para a próxima!
O IA, porém, está baralhado. Diz com sinceridade que «uma certa indistinção entre trabalho da companhia e iniciativas várias que se realizaram na «casa comum» dos Dias da Água pode não esclarecer por completo a verdadeira feição assumida pela companhia.» Que é como quem diz: mas afinal para onde é que vai o carcanhol? O IA não faz ideia nenhuma, mas, na dúvida, tomem lá 20 mil brasas e seja o que Deus quiser!
A acta da Irmã Lúcia não dá jeito nenhum para a tese de que a Ana Marin (ámen) é do PCP. Mas ajuda e de que maneira quem defende que este júri não joga com o baralho todo! De qualquer maneira, a Sensurround só levou 100.000€: não é pobre nem rica, é remediada. Não dá para tirar conclusões. A próxima será, eminentemente, melhor. Prometemos. Sem ironia. Um abraço e assim sucessivamente!
 
posted by CTC at 14:17, |