Oh Que Ricos Subsídios! (III)
2005-01-19
Meus caros, hoje vamos comentar a acta do Instituto das Artes (IA) sobre o Novo Grupo e temos uma novidade para vos dar! É uma inconfidência, esperamos que o IA e o João Lourenço nos perdoem.
Sabem que dramaturgo é que o Novo Grupo vai fazer em 2005? Não adivinham, pois não? Cá vai: BRECHT! É que nem vos passou pela cabeça, apostamos! E nem imaginam que peça de Brecht é que foi escolhida! Isso é que é uma absoluta surpresa, o insólito total, uma autêntica extravagância! Sabem qual? A Ópera de Três Vinténs, caramba!
Reparem: o Novo Grupo é um grupo novo, com uma miséria duns 23 anitos de idade. E Brecht a mesma coisa: um dramaturgo novo, o último grito do teatro mundial, sobretudo na recente Ópera de Três Vinténs! O IA foi sensível a tanto vanguardismo e vai daí, toma lá 605.000€, que não são propriamente 3 vinténs!
Assim de cabeça, dá por aí uns 121 mil contos, moeda velha. O Novo Grupo, se bem se lembram, é aquela companhia que actua no Teatro Aberto, Praça de Espanha. Ora, o Teatro Aberto é aqui como o nosso Teatro-Estúdio Mário Viegas: pertence à Câmara Municipal, que o construiu. Diz a acta que o Novo Grupo goza de «apoios autárquicos nas despesas correntes do edifício, incluindo segurança», ou seja: não pagam luz, não pagam água, nem sequer largam um tusto para os seguranças! Em suma, o cacau é só para espectáculos. Como nós, mas nós numa salinha pequena, familiar, 200 m2 e é um pau, a gastar pouca água, pouca luz, poucos seguranças... Ora nós recebemos 35.000€, que nem para espectáculos dá. A ver se percebem. O Novo Grupo, que não paga nada pelo teatro onde se exibe, recebe 605.000€. Nós, que não pagamos nada pelo teatro onde nos exibimos, recebemos 35.000€. É justo, não é? É mais que justo! É o espelho fiel da alma imparcial e cega dessa santa padroeira do teatro português chamada Ana Marin!
A Ana Marin (ámen) esmerou-se a escrever a acta do Novo Grupo. Usa palavras nobres como «edilidade» e «laboriosos», canta elogios variados como «grande profissionalismo» ou «sólido profissionalismo» (referência à Catarina Furtado, de certeza), elabora conceitos arrojados como «trabalho de dinamização de públicos específicos» (a Ordem dos Advogados agradece a atenção), levanta dúvidas audazes sobre «produções menos conseguidas e opções repertoriais com menos interesse» (toma lá que já almoçaste!), arrisca neologismos futuristas como «relação interespectáculos», faz observações diplomáticas, em colaboração com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobre «a visita frequente à dramaturgia de expressão alemã» (Brecht e Heiner Müller, Brecht e Heiner Müller, Brecht e Heiner Müller…).
A Ana Marin (ámen) ficou encantada com o dossier do Novo Grupo! Diz que «está apresentado com cuidado» e a gente imagina logo capas cor-de-rosa, imagens a cores, papel de 60g no máximo, cabeçalhos e rodapés em português e alemão, numeração romana. Um mimo! E ainda não é tudo. Também está «logicamente repartido por 4 brochuras». Porquê 4? Porque a candidatura é para 4 anos e, portanto, 1 brochura para cada ano é que é lógico. 4 anos em 2 brochuras ou desdobrados por 12 brochuras não seria lógico! Lógico é fazer 4 brochuras por cada «período quadrienal», na bela linguagem soviética dos camaradas do IA.
Sente-se mesmo assim, nas entrelinhas da acta, a tristeza da Ana Marin (ámen) por não poder dar ao Novo Grupo o carcanhol que o Novo Grupo pediu ― se faz favor, com muita educação ― e que totalizava a módica quantia de 1.051.723€, destinada ao Brecht, ao Michael Frayn e a «um exemplo de teatro electroacústico» que, mesmo sendo só um exemplo, era coisa para gastar um balúrdio de pilhas e precisar de colunas novas. «Apoio especial para equipamento», explica a acta. Estão a ver, não é? Um milhão de € para o Novo Grupo! Ai, este João Lourenço é um ingénuo… Então imaginava que podia receber mais do que o Teatro Nacional da Cornucópia? Francamente! Não ficou longe, é verdade, se levasse mais 20.000€ (4 mil contos, uma ninharia!) ficavam empatados no topo da tabela. Mas o Teatro Aberto tem acesso a deficientes e detecção de incêndios, um «espaço interior» com 2 salas, uma bela localização entre a mesquita e a Gulbenkian, não se pode querer tudo!
O Novo Grupo, porém, merecia. O IA sabe que o Novo Grupo se dá à pachorra de fazer dramaturgia portuguesa, com «o compromisso ― que vem honrando ― de participar no Grande Prémio de Teatro Português (que mantém em parceria com a SPA)». Ora, se forem ver à acta da Cornucópia, o IA não alimenta ilusões quanto à qualidade da (passamos a citar) «nossa (modesta) dramaturgia que seguramente nenhum outro país poderá (ou quererá) fazer» (textual!). Portanto, dos 605.000€, pelo menos 25.000 são para agradecer ao Novo Grupo a perda de tempo com uma dramaturgia que não vale um corno e que nem sequer o Burundi está interessado em representar. Está bem visto!
Esta missão de caridade vale por si mesma, mas vale mais ainda pelo conjunto em que se insere. O Novo Grupo é a Madre Teresa de Calcutá do teatro português. Só o Novo Grupo é que se lembra de fazer «acordos interessantes com determinados segmentos de população», não sabemos bem que segmentos são, mas com certeza deve ser na grande tradição brechtiana de levar a cultura e a arte à classe operária. O Novo Grupo vai ao ponto, imaginem, de contactar «associações várias, sindicatos ou comissões», como se fosse uma delegação do Inatel! Comissões, que comissões? Bem, pelo que diz a acta, parece que ainda há em Portugal comissões de moradores, pelo menos na Praça de Espanha, a ver pela estrondosa iniciativa do Novo Grupo chamada «Deixe o carro à porta de casa e vá a pé ao Teatro Aberto». Ecologia, arte, urbanismo, saúde e desporto em harmonia na colectividade da Palhavã!
Mas atenção, João Lourenço! Recebe um conselho nosso, que te damos com amor e carinho. Não faças produções «menos conseguidas», não caias em «opções repertoriais com menos interesse», porque olha que os eminentes críticos teatrais do IA andam em cima de ti! E eles não perdoam! Se não te pões a pau, levas com 35.000€ como nós, tu vê lá! Não sabias que a Santa Ana Marin (ámen) fazia parte da Associação dos Críticos de Teatro, pois não? E cede-lhes o prédio do IA para as reuniões, que ela própria dirige com mão de ferro!
Continua a votação: o júri do IA não joga com o baralho todo, ou a Ana Marin (ámen) é do PCP? Votem, não se abstenham, participem na vida pública do país! E preparem-se para a próxima acta, que ainda é pior que esta! Até amanhã, camaradas!
Sabem que dramaturgo é que o Novo Grupo vai fazer em 2005? Não adivinham, pois não? Cá vai: BRECHT! É que nem vos passou pela cabeça, apostamos! E nem imaginam que peça de Brecht é que foi escolhida! Isso é que é uma absoluta surpresa, o insólito total, uma autêntica extravagância! Sabem qual? A Ópera de Três Vinténs, caramba!
Reparem: o Novo Grupo é um grupo novo, com uma miséria duns 23 anitos de idade. E Brecht a mesma coisa: um dramaturgo novo, o último grito do teatro mundial, sobretudo na recente Ópera de Três Vinténs! O IA foi sensível a tanto vanguardismo e vai daí, toma lá 605.000€, que não são propriamente 3 vinténs!
Assim de cabeça, dá por aí uns 121 mil contos, moeda velha. O Novo Grupo, se bem se lembram, é aquela companhia que actua no Teatro Aberto, Praça de Espanha. Ora, o Teatro Aberto é aqui como o nosso Teatro-Estúdio Mário Viegas: pertence à Câmara Municipal, que o construiu. Diz a acta que o Novo Grupo goza de «apoios autárquicos nas despesas correntes do edifício, incluindo segurança», ou seja: não pagam luz, não pagam água, nem sequer largam um tusto para os seguranças! Em suma, o cacau é só para espectáculos. Como nós, mas nós numa salinha pequena, familiar, 200 m2 e é um pau, a gastar pouca água, pouca luz, poucos seguranças... Ora nós recebemos 35.000€, que nem para espectáculos dá. A ver se percebem. O Novo Grupo, que não paga nada pelo teatro onde se exibe, recebe 605.000€. Nós, que não pagamos nada pelo teatro onde nos exibimos, recebemos 35.000€. É justo, não é? É mais que justo! É o espelho fiel da alma imparcial e cega dessa santa padroeira do teatro português chamada Ana Marin!
A Ana Marin (ámen) esmerou-se a escrever a acta do Novo Grupo. Usa palavras nobres como «edilidade» e «laboriosos», canta elogios variados como «grande profissionalismo» ou «sólido profissionalismo» (referência à Catarina Furtado, de certeza), elabora conceitos arrojados como «trabalho de dinamização de públicos específicos» (a Ordem dos Advogados agradece a atenção), levanta dúvidas audazes sobre «produções menos conseguidas e opções repertoriais com menos interesse» (toma lá que já almoçaste!), arrisca neologismos futuristas como «relação interespectáculos», faz observações diplomáticas, em colaboração com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobre «a visita frequente à dramaturgia de expressão alemã» (Brecht e Heiner Müller, Brecht e Heiner Müller, Brecht e Heiner Müller…).
A Ana Marin (ámen) ficou encantada com o dossier do Novo Grupo! Diz que «está apresentado com cuidado» e a gente imagina logo capas cor-de-rosa, imagens a cores, papel de 60g no máximo, cabeçalhos e rodapés em português e alemão, numeração romana. Um mimo! E ainda não é tudo. Também está «logicamente repartido por 4 brochuras». Porquê 4? Porque a candidatura é para 4 anos e, portanto, 1 brochura para cada ano é que é lógico. 4 anos em 2 brochuras ou desdobrados por 12 brochuras não seria lógico! Lógico é fazer 4 brochuras por cada «período quadrienal», na bela linguagem soviética dos camaradas do IA.
Sente-se mesmo assim, nas entrelinhas da acta, a tristeza da Ana Marin (ámen) por não poder dar ao Novo Grupo o carcanhol que o Novo Grupo pediu ― se faz favor, com muita educação ― e que totalizava a módica quantia de 1.051.723€, destinada ao Brecht, ao Michael Frayn e a «um exemplo de teatro electroacústico» que, mesmo sendo só um exemplo, era coisa para gastar um balúrdio de pilhas e precisar de colunas novas. «Apoio especial para equipamento», explica a acta. Estão a ver, não é? Um milhão de € para o Novo Grupo! Ai, este João Lourenço é um ingénuo… Então imaginava que podia receber mais do que o Teatro Nacional da Cornucópia? Francamente! Não ficou longe, é verdade, se levasse mais 20.000€ (4 mil contos, uma ninharia!) ficavam empatados no topo da tabela. Mas o Teatro Aberto tem acesso a deficientes e detecção de incêndios, um «espaço interior» com 2 salas, uma bela localização entre a mesquita e a Gulbenkian, não se pode querer tudo!
O Novo Grupo, porém, merecia. O IA sabe que o Novo Grupo se dá à pachorra de fazer dramaturgia portuguesa, com «o compromisso ― que vem honrando ― de participar no Grande Prémio de Teatro Português (que mantém em parceria com a SPA)». Ora, se forem ver à acta da Cornucópia, o IA não alimenta ilusões quanto à qualidade da (passamos a citar) «nossa (modesta) dramaturgia que seguramente nenhum outro país poderá (ou quererá) fazer» (textual!). Portanto, dos 605.000€, pelo menos 25.000 são para agradecer ao Novo Grupo a perda de tempo com uma dramaturgia que não vale um corno e que nem sequer o Burundi está interessado em representar. Está bem visto!
Esta missão de caridade vale por si mesma, mas vale mais ainda pelo conjunto em que se insere. O Novo Grupo é a Madre Teresa de Calcutá do teatro português. Só o Novo Grupo é que se lembra de fazer «acordos interessantes com determinados segmentos de população», não sabemos bem que segmentos são, mas com certeza deve ser na grande tradição brechtiana de levar a cultura e a arte à classe operária. O Novo Grupo vai ao ponto, imaginem, de contactar «associações várias, sindicatos ou comissões», como se fosse uma delegação do Inatel! Comissões, que comissões? Bem, pelo que diz a acta, parece que ainda há em Portugal comissões de moradores, pelo menos na Praça de Espanha, a ver pela estrondosa iniciativa do Novo Grupo chamada «Deixe o carro à porta de casa e vá a pé ao Teatro Aberto». Ecologia, arte, urbanismo, saúde e desporto em harmonia na colectividade da Palhavã!
Mas atenção, João Lourenço! Recebe um conselho nosso, que te damos com amor e carinho. Não faças produções «menos conseguidas», não caias em «opções repertoriais com menos interesse», porque olha que os eminentes críticos teatrais do IA andam em cima de ti! E eles não perdoam! Se não te pões a pau, levas com 35.000€ como nós, tu vê lá! Não sabias que a Santa Ana Marin (ámen) fazia parte da Associação dos Críticos de Teatro, pois não? E cede-lhes o prédio do IA para as reuniões, que ela própria dirige com mão de ferro!
Continua a votação: o júri do IA não joga com o baralho todo, ou a Ana Marin (ámen) é do PCP? Votem, não se abstenham, participem na vida pública do país! E preparem-se para a próxima acta, que ainda é pior que esta! Até amanhã, camaradas!