Oh Que Ricos Subsídios! (I)

2005-01-13
A CTC comenta à lupa as actas do IA do MC

Candidatura 022 (também conhecida como «Cornucópia»)

Mandaram-nos para aqui um envelope cheio de papéis, com aviso de recepção e tudo. Vamos lá ver o que será. Olha, são as actas dos subsídios do Instituto das Artes para o teatro e para o resto das artes (menos o cinema). Olhámos uns para os outros: vamos ler, não vamos ler? Já agora, que tiveram tanto trabalho a mandar isto pelo correio, até parece mal deitar para o lixo.
Uma baralhada! As páginas não vinham numeradas, não fizeram índice, enfim, uma coisa feita às três pancadas. Paciência. Lá nos orientámos no meio da trapalhada e fomos logo ver quanto guito é que nos tinham dado. 35.000€. Não foi preciso máquina de calcular, fizemos as contas de cabeça: não chega para pagar a Segurança Social e o Fisco, mas ajuda: vai todo para lá e não se pensa mais nisso. Quer dizer: o Estado dá-nos massa para nós darmos massa ao Estado. Está bem visto!
Adiante. Fomos ver os outros. Dos pobrezinhos e honrados como nós (e há muitos, com a graça de Deus!) não queremos saber: amanhem-se que a gente cá também se amanha.
Estávamos curiosos era de ver a quem é que eles tinham dado mais carcanhol. Talvez houvesse novidades. Não, nada de novo: a Cornucópia levou 625.000€ e ficou outra vez em primeiro, para não variar. 625.000€: nada mau! Em moeda antiga, são 125 mil contos, que dão um jeito do caraças. Somem isto aos êxitos de bilheteira e não é nada de deitar fora. Também não admira. O pessoal do júri escreveu lá na acta que a Cornucópia requer «uma consideração paralela a um Teatro Nacional», está lá para quem quiser ler. Reparem bem: «uma consideração paralela a um Teatro Nacional», não é brincadeira. As coisas mudam logo de figura, ou não? A Cornucópia está no plano do Teatro Nacional numa altura em que, por coincidência, não há Teatro Nacional! Deram 625.000€ a um Teatro Nacional que se chama, por acaso, Teatro da Cornucópia. Muito injusto! A Cornucópia é um Teatro Nacional que, do ponto de vista do bagulho, ainda está longe de lá chegar, porque senão recebiam para aí uns 5.000.000€ no mínimo e ainda levavam com o alto patrocínio da PT. Bem vistas as coisas, ficaram a perder 4 milhões e 800 mil € ou mais! Até faz pena. O MC, entretanto, é que poupou esse granel todo: está bem visto!
Confusos? Ainda não é nada, tenham calma. Na acta da Cornucópia, explica-se que a Companhia do Luís Miguel só tem «uma reduzida equipa artística residente (3 actores) e um corpo igualmente mínimo de apoios técnicos e administrativos». Para Teatro Nacional, é pouco, convenhamos. Misérias de um Teatro Nacional da Rua Tenente Raul Cascais. Imaginem o que seria o Teatro Nacional ― o verdadeiro, o do Rossio, o que não existe ― só com três actores com emprego garantido e o resto a contrato precário. Não se acredita. Mas é a vantagem de não ser bem um Teatro Nacional, só uma coisa parecida com um Teatro Nacional que, se pudesse, era mesmo um Teatro Nacional. Reparem: a acta, além do mais, diz que a Cornucópia nem sequer tem na sala «acesso a deficientes e detecção de incêndios» (o português é mau mas não é nosso). Deve ser por isso que nunca fizeram o Macbeth: têm medo que aquilo arda tudo e nem dá tempo para chamar os bombeiros! Quer dizer: o IA reconhece que a Cornucópia é uma companhia ilegal, que a bem dizer deveria estar fechada e proibida de apresentar espectáculos, mas dá-lhes 625.000€ na certeza de que nunca vão gastá-los no «acesso a deficientes» e na «detecção de incêndios». Fica para a próxima. Daqui a 5 anos, já o vasto público do Teatro Nacional da Cornucópia pode estar descansado: nessa altura, a D.ª Amélia Luís Miguel Rey-Colaço Cintra tratará de alargar aos «deficientes» o privilégio de irem ao D. Maria do Bairro Alto sem saírem de lá chamuscados. Até lá, fiem-se na Virgem e não se aleijem, por favor!
Entretanto, se querem ver o Teatro Nacional da Tenente Raul Cascais livrem-se de morar fora de Lisboa. Diz a notável acta que os cornucópios se especializaram na «produção «intra muros» (pelas despesas inerentes a eventuais deslocações)», que é como quem diz que os 625.000€ são todos para consumo no estabelecimento. A única excepção ― nem de propósito! ― vai para as co-produções com o Teatro Nacional de S. João, que é pouco mais ou menos a delegação da Cornucópia na Invicta. Quer dizer: como o Ricardo Pais entra com o cacau para as despesas, eles então não se importam de ir passear ao Porto, com a vantagem de que o S. João tem «acesso a deficientes» e «detecção de incêndios», um luxo! Toda a gente a dormir no Hotel Batalha sem gastar um cêntimo dos preciosos 625.000€ que ficam inteiros ― 350 contos por dia, em moeda antiga ― para deslumbrar o mundo e o Bairro Alto com os Brecht, os Bond, os Fassbinder, o diabo a quatro!
Nós ficávamos aqui o dia todo a comentar a acta da Cornucópia, mas temos mais que fazer, infelizmente. Fica assim. Para a semana, comentaremos em pormenor os 605.000€ do Teatro Aberto (a abertura vai desde Brecht a Catarina Furtado) ou os 470.000€ dos Artistas Unidos ao Silva Melo, conforme nos apetecer. Um abraço para todos, bom ano e, claro, um xi-coração especial para a Ana Marin!
 
posted by CTC at 18:27, |