in Jornal de Notícias

2007-11-24
"Paródia a William Shakespeare em cena há 11 longos anos", in Jornal de Notícias, por Isabel Peixoto, 18 de Novembro de 2007

Encenação de Juvenal Garcês continua a conquistar o público com o elenco que se apresentou na estreia, em Portimão
Farsa interpretada por Simão Rubim, Manuel Mendes e João Carracedo parte de 37 peças e centena e meia de sonetos

Será a primeira vez que a peça não é apresentada no dia de mais um aniversário. Isto, porque a Companhia Teatral do Chiado tem outras produções em cena, e, assim, a sessão do próximo sábado é dedicada à comédia "A Bíblia". Mas esse dia representa um marco na história do teatro português, pois passam 11 anos sobre a estreia de "As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos", que soma mais de 130 digressões e um número muito confortável de espectadores.

Medo. Foi o que sentiram Simão Rubim, Manuel Mendes e João Carracedo na já longínqua noite de 24 de Novembro de 1996. O palco, mínimo, de uma associação recreativa de Portimão foi a principal testemunha do estado de espírito com que o trio de actores apresentou pela primeira vez a versão portuguesa da peça criada pelos norte-americanos Adam Long, Daniel Singer e Jess Borgeson. Não era para menos: na altura, a interactividade com o público era coisa arriscada, ninguém sabia o que aquilo ia dar.

Passados todos estes anos, o elenco original de "As obras completas" ri-se dessa noite. "É impossível esquecer", diz Rubim, enquanto os parceiros de palco destacam a surpresa que foi para eles a reacção do público. A estreia excedeu as expectativas, os meses seguintes foram muito bons e deram à Companhia Teatral do Chiado o que mais precisava após a morte de Mário Viegas, o fundador: alento. "À volta da companhia, quase se fazia apostas para ver quando é que íamos acabar", lembra João.

A um saem-lhe gargalhadas fáceis, o outro é travado pela timidez, o terceiro olha com ar desconfiado. Manuel, João e Simão são amigos e cúmplices em palco e têm personalidades diferentes que se encontram nesta paródia a William Shakespeare, que conquistou o encenador Juvenal Garcês depois de uma visita a Londres no ano de 96.

A excepção de Ofélia

Neste espectáculo, que Rubim classifica como "uma brincadeira à volta das obras de Shakespeare", cada actor faz de si próprio e vai, aos poucos, envergando as vestes das mais populares personagens do dramaturgo inglês. À excepção de Ofélia, que é representada por uma espectadora anónima. Sem deixar de ser popular, como popular era o teatro shakesepeareano, "As obras completas" é uma farsa elaborada a partir de 37 peças e mais de centena e meia de sonetos, o que dá ao espectáculo uma velocidade alucinante. "Fisicamente, é muito violento", confessa Rubim, que assume praticamente todos os papéis femininos. A propósito, acrescenta: "Dá mais trabalho, porque tenho de fazer os agudos, o que é uma chatice muito grande".

Conjugar personalidades Um dos segredos do imenso sucesso desta produção reside, nas palavras de Manuel Mendes, na "conjugação de três personalidades muito diferentes" em palco. Mais do que representar esta ou aquela personagem, o que lhe dá mais gozo é a interactividade entre os três. "Nessa interactividade eu vejo coisas do Simão que reconheço do Simão cá fora... e que sei que podem servir no espectáculo", afirma.

Tal como Manuel, João Carracedo esteve afastado do elenco desta peça, embora por um período de tempo mais curto. Vive o espectáculo como "uma experiência única" e admite que seja o trabalho "mais marcante" da sua vida. Se os companheiros abandonarem o barco, talvez lhes siga os passos, porque "faz sentido virem pessoas mais novas".

Rubim também vai dizendo que "a idade já pesa", o que o leva a não fazer projectos a longo prazo. Mas este trabalho parece não ter fim à vista. "Quando o público quer ver, nós mantemos o espectáculo em cena", garante o mesmo actor, embora tendo em mente representar "As obras completas" só por mais dois anos.

Apresentada em praticamente todo o país e também em Espanha, França e Cabo Verde, a peça está em cena no Teatro-Estúdio Mário Viegas, em Lisboa, às segundas e terças-feiras. O público não nos deixa tirar este espectáculo de cena"

"Queira ou não queira, este espectáculo vai fazer uma parte importante da história do teatro em Portugal, que, infelizmente, está muito mal escrita". Palavras de Simão Rubim, que há 17 anos entrou para a Companhia Teatral do Chiado a convite de Mário Viegas. Deste trio de actores, e o único que nunca saiu do elenco de "As obras completas" , apesar de há muito andar a dizer que quer fazê-lo. "O público não nos deixa tirar este espectáculo de cena", justifica, garantindo que estes 11 anos de digressões ainda não o cansaram - porque o espectáculo é muito interactivo, porque as reacções das pessoas são diferentes todos os dias, "porque é um texto absolutamente genial", a par do facto de Shakespeare ser "o maior dramaturgo de todos os tempos". Nestes anos, Rubim tem feito " algumas tragédias pelo caminho", como os "dramalhões" de Ibsen e Strindberg, e continua, desde há quase dois anos, a representar "As vampiras lésbicas de Sodoma", cujo elenco conta também com Mendes e Carracedo.

 
posted by CTC at 15:33, |