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Mais tarde, continuando a seguir a minha vocação, passei pelo Teatro Amador. Em 1976 entrei para o GETF - Grupo Experimental de Teatro do Funchal onde fiz três peças, sendo a mais marcante «A Noite de Reis», de William Shakespeare, em 1978, com encenação de Leopold Kielanowski que foi assistente de Gaston Baty e Max Reinhardt.
Leopold Kielanowski era director do Teatro Polonês, um velhote fugido da ocupação da Polónia durante a guerra. Escolheu a ilha da Madeira para fazer férias, e passou-as a ensaiar o espectáculo. Foi ele quem me convenceu a seguir a minha inclinação teatral. Sabendo que na Madeira não existia teatro profissional, o que comprometia os meus planos de futuro, decidi, com 17 anos, rumar sozinho em direcção a Lisboa com o objectivo de ser um actor profissional. Um ano depois, corria o ano de 1979, conheci o Mário Viegas, um conhecimento fulgurante que definiu o rumo da minha vida!
Em 1987 estreámos «O Regresso do Bucha e Estica», de Stan Laurel, com encenação de Mário Viegas. Podese dizer que foi esse o embrião da Companhia Teatral do Chiado (CTC). Os visados neste espectáculo eram Mário Soares e Cavaco Silva. Foi um verdadeiro êxito!!! O filho do Bucha,João Soares, então vereador da cultura da Câmara Municipal de Lisboa (CML), convidou-nos para ocupar a sala estúdio do Teatro S. Luiz.
Já com um espaço ao qual podíamos chamar «casa», levámos a cena «Enquanto se Está à Espera de Godot», de Samuel Beckett, em 1993. Um espectáculo inesquecível. O Mário era genial! Que saudades...
Em 27 de Março de 1996, João Soares, o filho do Bucha, era então Presidente da CML e prestou a maior homenagem ao Mário. A antiga sala estúdio do S. Luiz, passou a chamar-se «Teatro-Estúdio Mário Viegas». O Mário quando viu na TV o teatro com o seu nome disse: «Esta já ninguém me tira!». Morreu no dia I de Abril de 1996.
Após a sua morte, assumi a Direcção Artística da Companhia e passei a ser o seu encenador principal. A minha estreia nessa área aconteceu no dia 10 de Maio de 1996, com a peça «Dá Raiva Olhar para Trás», de John Osborne. Os actores Simão Rubim e a Rita Lello eram fantásticos. Para primeira encenação não me correu nada mal... Acabou esgotado! No mesmo ano encenei «As Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos», de Jess Borgeson, Adam Long, Daniel Singer. O que posso dizer deste espectáculo? Está em cena há quase onze anos e continua a esgotar salas em Lisboa e pelo país fora, como testemunha o impressionante número de 132 digressões realizadas. Êxito! Êxito!! Êxito!!! O Shakespeare salvou-me a vida e a vida da Companhia Teatral do Chiado.
Em 1998 encenei «Hedda Gabler», peça na qual a Mafalda Vilhena conseguiu transmitir a minha paixão por Henrik Ibsen. Esta peça valeu-me uma viagem inesquecível, com o Simão Rubim, ao Instituto do Ibsen. Foi a primeira vez que viajei sem identificação... para ser mais exacto, os meus documentos de identificação tinham caducado. Não me queriam deixar entrar na Noruega. Uma viagem cheia de peripécias! Com a Nora, aprendi que às vezes é preciso bater com a porta. A próxima encenação do Mestre será «O Pequeno Eyolf».
No dia 15 de Maio de 2003, inaugurámos o novo Teatro- Estúdio Mário Viegas, com a peça «Oh Que Ricos Dias», de Samuel Beckett, com interpretações de Lia Gama e Alberto Villar. Na estreia do novo Teatro estava o Dr. Pedro Santana Lopes, Presidente da CML (as voltas que o mundo dá...). A ex. Sala-Estúdio do Teatro Municipal São Luiz ganhava assim reconhecimento institucional, homenageando o empenho posto pelo mais consagrado actor da sua geração, Mário Viegas, na transformação dum mero «espaço» numa referência cultural e lúdica da cidade de Lisboa. Foram poucos os da classe teatral que apareceram na inauguração, mas os que não foram não fizeram falta nenhuma...! A Lia Gama era maravilhosa! O Alberto Villar ajudou-me imenso, aproveito para lhe agradecer publicamente - muito obrigado! A excelente tradução do Gustavo Rubim devia ser publicada.
Estreámos em 2006 o espectáculo «As Vampiras Lésbicas de Sodoma», de Charles Busch e também já vai no 2° ano de representações, tendo para mais gerado um fenómeno, creio que inédito, em Portugal: um clube de fãs, a que a Companhia é completamente alheia, embora, obviamente, se lhe associe. Seguindo esta tradição de comédias, em Setembro, vou estrear «A Bíblia:Toda a palavra de Deus (Sintetizada)», um espectáculo de comédia hilariante, apto a qualquer tipo de público e que promete pôr todos os portugueses a rir a bandeiras despregadas.
Da autoria de Adam Long, Reed Martim e Austin Tichenor, esta peça baseia-se nos textos da «Bíblia» e apresenta uma leitura muito particular (mesmo!) e em versão condensada dos principais episódios narrados nos livros bíblicos, do Génesis ao Apocalipse. Sem nunca perderem o humor, os actores João Craveiro, Paulo Duarte Ribeiro e Tobias Monteiro encarnam, numa velocidade de cortar a respiração, as cenas mais emblemáticas da Bíblia, da criação do Homem ao sacrifício de Isaac por Abraão, do dilúvio e da Arca de Noé aos milagres de Jesus Cristo, passando pelo duelo entre David e Golias, Moisés e as Tábuas dos Mandamentos e a viagem dos Reis Magos, entre muitos outros.
Não posso deixar de me orgulhar da Companhia Teatral do Chiado, e de toda a 'minha' equipa técnica, de bilheteira, de cenografia, de produção e do marketing e dos já muitos actores e actrizes que têm passado por este pequeno palco do Chiado, bem como dos tradutores(as) e inúmeros amigos, que graciosa e desinteressadamente têm ajudado a Companhia nestes seus (já!) dezassete anos de actividade. Graças ao esforço e trabalho de todos nós contamos até ao momento com trinta e três produções, cinco coproduções e acolhemos oito espectáculos convidados, proporcionando dessa maneira a oportunidade a outras companhias, inclusive de dança, de mostrar o seu trabalho.